sexta-feira, maio 8

BROGUE ESTÁ DE MUDANÇA

É, meus queridos leitores, graças a vocês o brogue cresceu, ficou fortinho e agora está de cara nova!

Ganhou um endereço só para ele, o http://www.mulherdeciclos.com/. Tudo o que está aqui foi para lá, não se preocupem, vocês poderão continuar lendo e comentando minhas baboseiras. Este endereço vai continuar aqui, com o aviso, mas não será mais atualizado.

Não demorem, vão lá dar uma espiadinha. E me digam o que acharam...

Até mais tarde,

Mulher de Ciclos.

domingo, maio 3

CENTRO HISTÓRICO



Tinha me prometido não pedalar por quinze dias. Mas como devo, não pago e nego enquanto puder, a promessa não durou uma semana.



Convenceram-me a dar um rolé hoje cedo pelo centro histórico: Mosteiro de São Bento, Pedra do Sal, Praça Mauá, Glória. Molezinha, nem ia suar. Então sucumbi aos apelos de Leona - que pegou poeira parada em casa a semana inteira - e saímos em direção ao Aterro.



Chegando à Praia de Botafogo, mais uma dessas corridas de rua, com milhares de pessoas. Peguei a ciclovia, e para minha surpresa vejo que vários participantes, não satisfeitos em ter toda a pista do carros (que foi reservada especialmente) para eles correrem, resolvem ir ocupar também a ciclovia... Um abuso.





No Monumento Estácio de Sá, encontrei mais gente, mas a maior parte do povo rumou direto para o Aeroporto Santos Dumont e fomos para lá. No centro, deu para ver as ruelas históricas de outra forma, sem aquele monte de gente apressada que transita durante a semana.



Subimos a Pedra do Sal, onde fizemos o batismo dos novos integrantes. No boteco, pausa para algumas Malzbiers estupidamente geladas como só boteco bom de verdade sabe ter.



E seguimos descendo, poucos pedalando, alguns empurrando e outros até descalços, por causa das sapatilhas que escorregavam no calçamento irregular, todo de pedras antigas.



Mais esburacado do que aquelas ruas estava meu coração, despedaçado mesmo, igualzinho ao chão da Pedra do Sal. Margareth – a linda MTB que era de John Paul Jones – estava nas mãos de um novo dono.



Vi-a nascer, crescer, ficar forte e vencer muitos quilômetros. Ora de pneu biscoitão, ora de pneu slick tão liso que me dava calafrios quando descíamos a Vista Chinesa. E sempre que via aquele quadro prata e azul, aquele tom de azul sem igual que eu gosto tanto, já sabia que meu amigo estava por perto.



O nome da Margot, minha MTB, é por causa da Margareth. Ela tão bem cuidadinha, resguardada com tanto carinho por John Paul Jones, eu disse a ele que Margareth parecia mais uma moça de família, uma noiva do Grajaú, como Nelson Rodrigues gostava de escrever. “Ah, as noivinhas do Grajaú, nada como uma noivinha do Grajaú”.

Minha MTB, sambada já com pouco tempo de uso e cheia de cicatrizes, estava mais para puta velha do que para virgem de subúrbio. Então me veio a imagem de uma daquelas cortesãs francesas do século XIX, com maquiagem pesada e pinta acima do lábio. E não tive dúvidas: Margot.



Perda inadmissível para o nosso grupo, o gêmeo feio não quer mais pedalar. Ele ainda não se deu conta que isso independe da vontade dele, que não há outra opção: alma de ciclista é meio rebelde, meio selvagem. Só atende aos seus próprios caprichos e não aceita limites – nem os do corpo, muito menos os da razão.



Até diria que ele ainda tem a vida inteira para se arrepender. Mas na verdade resta pouco tempo, por que o tempo é a medida da saudade. E assim, pensativa, segui por aí quando o passeio acabou e o grupo se dispersou.



Pernas preguiçosas e fiquei só deslizando, planando nesse belo dia ensolarado, admirando o mar azul sem fim. Observando as crianças pequenas que pedalavam e me perguntando que geração de ciclistas será essa que está por vir...

quinta-feira, abril 30

QUE TIPO DE CICLISTA VOCÊ É? Parte II

Enquanto me recupero da última vaca que levei e não arrumo nada melhor para fazer (na verdade tenho muitas coisas, mas todas chatas), mudo a cara do brogue e dou continuidade à série “Que tipo de ciclista você é?”.

AVISO IMPORTANTE: Todos os personagens são fictícios e tiveram seus nomes trocados para resguardar o anonimato. Qualquer semelhança será mera coincidência, ok? Bem, não reclamem, eu avisei.

Ciclista-patófilo. Ciclista tarado por patinhos. Especialmente os de borracha, os levam à loucura. Alfredinho foi parar no Pronto-Socorro e ficou dolorido uma semana por causa desse violento apertão. Além de fetiche, patofilia é crime. Se você conhece algum patófilo, denuncie à Secretaria Especial de Combate à Patofilia pelo Disque-Denúncia.



Ciclista-porcalhão. Adora se sujar todo para depois mostrar aos demais porcalhões. É comum vê-los em bandos, todos orgulhosos comparando a sujeira e vendo quem ficou mais imundo: “olha com quantos respingos de lama eu fiquei”, “ah, mas você já viu minhas costas?”, “eu praticamente tomei banho naquele esgotão da Niemeyer” e muitas outras imundícies.



Ciclista-Ray-Charles. Não distingue alhos de bugalhos, nem bunda de calça imunda. Precisam ter cuidado redobrado ao pedalar em minhocão: o de cego, digo, o de ciclista-Ray-Charles não tem dono.



Ciclista-imaginário
. Um dos tipos mais graves de ciclistite aguda, inclusive podendo levar ao estágio terminal. Além das graves crises de abstinência e dos ‘deliriuns tremens’, costuma achar que está pedalando mesmo quando está a pé. Em crises mais violentas, chega a fantasiar down hills e tombos de bicicleta.



Ciclista-cana-forte. Adora encachaçar durante o pedal, só para depois derrubar os companheiros que ainda conseguem pedalar (pois ele não mais) com seu bafão de cerveja.



Ciclista-frescurinha. É aquele tipo de ciclista fresquinho, que passa plástico bolha na bicicleta para não arranhá-la e não faz trilha por que suja. Cruzar um rio então, nem pensar. Enquanto os demais encaram a correnteza ele vai pela pontezinha, com cuidado para não respingar água (por que se molhar a magrela ela pode ficar gripadinha).



Ciclista-nojinho. Irmão do ciclista-frescurinha, esse tem ‘nojinho’ de tudo. Passar na Niemeyer? “Ah, tem aquela ‘água’ na pista, tenho nojinho”. Na Av. Brasil? “Aaaargh, tem poça de esgoto, vai me respingar sujeira”. Trocar pneu? “Ah, suja a mão, vai quebrar minha unha, fiz ontem no salão com a Cremilda...”. Corrente saiu do lugar? “Eca, melhor pegar um táxi, se não vou ficar com graxa na mão”.



Ciclista-de-barro. Primo em 1º grau do ciclista-suíno. Ao invés de ficar chafurdando na lama, mergulha inteirinho nela. Fica com aquela aparência de homem-de-barro, praticamente um picolé-de-chocolate-gigante.



Ciclista-em-desespero. Parente do ciclista-molengão. É aquele que acredita em tudo o que dizemos, principalmente o “a subida acaba na próxima curva” e “a pior parte já passou, agora é molezinha”. Ele segue acreditando até entrar em completo desespero, jogar a bike de lado e fugir. Só é encontrado alguns dias depois em posição fetal, espumando pelo canto da boca, chupando o dedo e chamando pela mãe.



Ciclista-herege. É aquele sem sentimentos cristãos, que não atende aos apelos de ciclistas-em-desespero e é capaz de abandoná-los à própria sorte, mesmo na porta de uma igreja.



Ciclista-primata. É o ciclista que fica encarapitado no alto de árvores, pedras e afins. Acha que é Tarzan, mas na verdade está mais para Xita. Ou seria Chita?



Ciclista-de-Jesus. É aquele tipo de ciclista que acha que sabe fazer alguma coisa diferente. Por exemplo, cisma de dar uma de Carlinhos de Jesus e arrisca uns passinhos. O resultado é sofrível (óbvio!) e ele descobre - com um misto de decepção e alegria - que a única coisa que consegue fazer bem na vida é pedalar.



Ciclista-Deus-me-valha. É aquele desorientado e confuso, que nunca sabe o caminho e pára para o tempo todo para pedir informações, nem sempre a fontes muito confiáveis.

domingo, abril 26

GUARATIBA VIA ORLA



Guafanhoto perdeu a hora. Enquanto esperava por ele e Danoninho no pontal do Leblon, me diverti acordando incautos ciclistas que ficaram de preguição no domingo.

Depois que me entediei, fui dar voltinhas à lá speedeiro: Leblon e Arpoador, Arpoador e Leblon, Leblon e Arpoador, Arpoador e Leblon.



Era o primeiro trajeto mais longo de Danoninho, que tem pouca experiência em trânsito. Fomos escoltando-a pela Niemeyer, que estava tranquilinha aquela hora. De resto, se saiu muito bem nos seus primeiros 100 km.

Fomos parando, parando, parando, bebendo e comendo coisinhas pelo caminho. A idéia era ir até Tia Penha nos entupirmos de casquinhas de siri, pasteizinhos de camarão e outros quitutes de frutos do mar.

Na Macumba, pensei em deixá-los subir Prainha e Grumari sozinhos, e encontrá-los em Guaratiba, comigo indo por dentro. O trajeto seria bem mais fácil para mim, que estava de speed e não sabia se conseguiria subir as três íngremes serrinhas até Guaratiba sem marchas leves.



Mas já que estava no inferno, resolvi abraçar o capeta e seguir com eles mesmo. Fui na frente para fazer minhas 'experiências ciclísticas' com a speed. A subida para Prainha foi tranquila.

Mas quando chegou naquele trecho final da subida para Grumari, achei que fosse tombar de lado, igual uma jaca, de tão difícil que estava pedalar. A marcha era tão pesada para subir aquela última paredinha que eu nem conseguia girar o pedal. O jeito foi pedalar em pé mesmo, e de novo, achei que fosse estourar igual um balão de tanta força que fiz.



Parei no topo para esperá-los e me refazer, já que eu tremia de tanto esforço. Mas fiquei feliz de ter conseguido. Só faltaria subir a última serrinha, caindo já em Guaratiba.



Em Grumari, os paralelepípedos me sacudiam inteira e logo pulei para a 'ciclovia' de terra. Na serrinha, o negócio ficou preto, e arreguei na última curva. Para subir aquilo ali com minha speed, ainda tenho que comer muito arroz com feijão.

O jeito foi empurrar o último trecho. Não me importei nem um pouco. Já tava feliz de ter subido Grumari com ela. Na descida, encontramos Denise com uma turma, vindo pela trilha que vai de Vargem Grande até Ilha de Guaratiba.



Nosso esforço foi recompensado com muitas casquinhas de siri, polvo à vinagrete (nunca comi um tão macio...), camãrões no bafo e pasteizinhos. Fechamos com docinhos. Eu fui de duas palhas italianas, para protestos de Gafanhoto. "Docinho de pobre, tem biscoito maizena dentro!"



Até o vento ficou intimadado com nosso alto astral e nos deu uma colher de chá. A volta foi molezinha, sem vento, sem incidente, sem nada. Pegamos o Joá já a noite, o que adoro. Não sei o que é mais bonito: a vista da cidade iluminada pela lua ou pelo sol.



E o finde terminou assim. Um belo dia de sol, pedal pelas paisagens mais lindas do Rio e um almoço delicioso na companhia de pessoas queridíssimas.

E assim sigo levando a vida: fazendo de cada dia, um dia espetacular. Sempre, todos dos dias.

sexta-feira, abril 24

SUMARÉ E SOLAR DA IMPERATRIZ

Fui subir Floresta com dois penosos. Já estava quase sem manchas pelo corpo e tratei de arrumar novos roxos: um pedestre afobado se meteu no meio da pista e me derrubou com a maior vontade e sem a menor cerimônia.



Sobrou para outra pedestre mal educada mais à frente, que acabou pagando o pato. Logo depois do pato encontro mais aves: Araponga, na esquina da Rua Alice, e no início da subida para o Sumaré, Frango nos alcança. O dia começaria com muitas penas.

Alfredinho ficou magoado por não ter ido. Prometi que o levo da próxima vez para conhecer os novos amigos. Aproveitei o pedal para abrir os pulmões: a asma atacou depois da overdose de remédio para bichos, escrotos, que apliquei pela casa. Pelo visto não são só os insetos que iriam passar maus bocados...



No Postinho eu e Araponga chegamos a um denominador comum, digo, a um amigo em comum: Letrado. Foi fácil descobrir: Letrado foi o único que teve coragem de mergulhar inteirinho na piscina (de lama) do Vassouras Bike Tour.



Descida pela Vista Chinesa, com um pequeno desvio para conhecer o Solar da Imperatriz. Na altura da Século XX, Frango se despede. Agora iria pedalar de verdade: voltou para subir Mesa do Imperador. Pedalar no meu ritmo mal deu para ele começar a suar.

Apesar de Frango não voar e só dar pulinhos, disparou tal qual uma ave de rapina e nos deixou comendo poeira, ou melhor, penas, ali na Pacheco Leão... Por fim, peço desculpas aos meus estimados 17 leitores: não pude resistir e sucumbi aos trocadilhos com duas patas, bicos e penas neste post. Se você não entendeu bulhufas, não se acanhe - acesse o Crônicas de Bicicleta e conheça as aventuras das aves, digo, dos ciclistas da Granja.

PS: Pedal com direito a trajeto de GPS gentilmente cedido por Araponga... Saindo de Botafogo, Sumaré, Alto da Boa Vista, Mesa do Imperador, Vista Chinesa, Lagoa, Copacabana retorno a Botafogo. Para ver o traçado, clique aqui.

sábado, abril 18

SANTA RITA DA FLORESTA



“Caraca, Santa Rita é bem longe! Mais que Audax... Onde vocês estão?

a) Teresópolis, RJ
b) Além Paraíba, MG
c) Já chegaram”


Bem que eu estranhei: quando contei para Letrado que ia para Santa Rita da Floresta pedalando, a 230 km de casa e com quatro serras no meio do caminho, ele não esboçou nenhuma reação.

Só no dia seguinte é que se deu conta do percurso, já pela hora do almoço, e me passou o torpedo para saber a que altura estávamos. Cicloviagem de luxo, essa: havia um esquadrão de pessoas nos monitorando e ligando o tempo inteiro.

Nesse momento, eu, Bob Filho, The Monster e Antônio tiritávamos de frio e almoçávamos em uma birosca cor-de-rosa na beira da estrada, enquanto o vira-lata aos nossos pés ia ficando com os ossos.

Eram 14h e estávamos uns 10km depois do Mirante do Soberbo, no alto da Serra de Teresópolis. Apenas 110 km do caminho percorrido, ainda nos restava 120 km a cumprir. A jornada começou cedo: 5h30 saímos eu e The Monster de Copacabana, em direção à Av. Brasil.

Na Casa do Alemão (Rodovia Washington Luís) tomei meu segundo café da manhã. Bob Filho e Antônio nos esperavam lá. Seguimos solitários, até que o pneu de Antônio resolve furar. Pronto. Foi o que bastou para que um esquadrão de ciclistas passasse por nós. Era um pelotão atrás do outro, tanto de um lado da via, como do lado oposto.



Voltamos a pedalar e os ciclistas sumiram. Não surgiu mais nenhum, até que em Parada Modelo paramos para o meu terceiro café da manhã e mais pelotões tornaram a passar por nós. Que coisa mais bizarra.

The Monster era o único que estava com bagagem. Na metade da serra, um carro espera por nós: comitê de recepção de Marcela & Cia com isotônicos para os ‘meninos’ e Guaraviton exclusivo para mim.

Desovamos no carro a pesada mochila de The Monster e as outras coisas que julgamos desnecessárias: uns bagulhos que estavam amarrados na bike de Bob Filho e nossos Anoraks, já que o sol subindo a serra estava de rachar côco. Mas nos arrependeríamos amargamente depois...

No final da serra, Bob Filho – que ia na frente – começa a ficar para trás. Subiu rápido demais, queimou muita energia. Com o tempo ele aprende, afinal era o ‘caçulinha’ do grupo: apenas 15 anos. Já no fim, não dá para não rir de seus impropérios e gritos, esbravejando contra a bendita serra.



No Mirante do Soberbo, pausa para fotos, caldo de cana e descobrir o porquê do desespero de Bob Filho: era sua 1ª subida da Serra de Terê, assim como eu. Mas a diferença é que ele havia dito que era a 4ª vez que ia a Santa Rita da Floresta pedalando. Não entendi o paradoxo. “Ah, das outras vezes meu pai me deixou aqui no alto da serra”. Tudo explicado depois de alguns cascudos no pentelho, seguimos adiante.

Uns 10 km à frente minha bexiga pediu para parar, pelo-amor-da-minha-santinha-guardadora-das-ciclistas-de-speed. O primeiro ‘lugar’ avistado foi a tal birosca cor-de-rosa. Eu e The Monster encarquilhados e com juntas enrijecidas, ficamos no sol para esquentar o esqueleto. Ali já desconfiava que iria passar maus bocados: a temperatura caía assustadoramente, mesmo no sol tremíamos de frio.



Logo à frente, mais um carro amigo passa e nos abastece de água, mel em sachês e mariolas. Duas horas depois, o ciclo – o da bike, não o meu – começa a dar mostras de quem tem algo errado: minha velocidade havia caído muito. Paramos um pouco e ficamos esparramados no acostamento, tomando mel, bebendo água e comendo mariolas.

O lugar à nossa volta era de tirar o fôlego: muito verde, árvores, parecia um pequeno bosque. Já não havia sol na estrada e fazia frio, muito frio. Subimos, subimos, subimos e subimos a antepenúltima serra, a Serra do Capim. Ainda havia mais duas pela frente.

Já caía a noite e The Monster ficou sem água, e pior, sem Tampico. Paramos em um posto para reabastecer. Comi amendoim com Red Bull, mistura levanta-defunto. Um homem com olhos brilhando, igual criança quando ganha bicicleta no Natal, se aproxima de nós:

- “Vocês estão vindo de onde?
- Do Rio.
- Ah, sim, mas vocês vêm de onde agora?
- Do Rio.
- Mas vocês estão vindo pedalando de onde?
- Do Rio”.


Ele nos conta que é de Niterói e que também é ciclista. Agora mora por ali e sempre treina na estrada. Faz questão de nos mostrar sua bike, guardada no carro.

O ciclista-de-carro nos deu dicas valiosas. Explicou a Antônio que lá pelo km 38 acabaria nosso suplício, ou melhor, as subidas. E a estrada tenderia a descer até Além Paraíba. Só queríamos saber é de chegar até Além Paraíba. Depois, ainda nos restaria cerca de 25 km até Santa Rita da Floresta, sendo os últimos 5km finais uma serra. Mas naquela hora nem queríamos pensar nisso. Tudo por partes.



Escureceu e The Monster se deu conta que deixou seus apetrechos luminosos na mochila desovada lá no carro, ainda na Serra de Teresópolis. O breu era tanto que mesmo com ele ao nosso lado não conseguíamos saber onde estava. Aí resolvi usar o LCPV, Localizador de Ciclistas Por Voz. Eu ia chamando: “Manel?”. E ele: “Eu!”. Pronto, rapidinho descobria cadê Manel.

Quando vimos a placa do km 38, gritamos: Uhuuuuuu! A estrada ia começar a aliviar para o nosso lado. E começaram as descidas. Bob Filho avisou: em algum lugar da pista havia um ovo. Ele só sabia falar “Cuidado com o ovo, cuidado com o ovo”. Se passássemos pela lombada-desnível-ovo em alta velocidade, a chance de voarmos longe era grande.



Organizamos-nos em uma formação-padrão até Além Paraíba: Bob Filho na frente, abrindo o minhocão para procurar o ovo; eu colada na roda dele, iluminando mais ainda o caminho (meu farol estava bem forte); The Monster colado na minha roda aproveitando meu farol também, pois estava sem luz; Antônio colado na roda de The Monster, para fechar o minhocão com seu pisca e avisar quando viesse carro, que voltaríamos ao acostamento.

E seguimos descendo a 55 km/h, o que não é tanto assim, mas no breu completo com visibilidade de um metro, ah é bastante. Só conseguíamos ver a roda da bike da frente e mais nada. E uma confiança incondicional no companheiro da frente.

A adrenalina e o frio congelavam nossas mãos, e de repente Manel some. Caiu, não sei como, não sei onde, não dava para ver nada! Depois de muita insistência, nos deixou jogar água nos machucados e aproveitei a parada para me embrenhar no mato e fazer pipi. Antônio me mandou ficar tranqüila: “nem que a gente quisesse... não dá para enxergar nada mesmo”.

A tensão de descer no mais completo breu era insuportável. Eu mal piscava, o olho lacrimejava de tanto ficar aberto, não sentia mais mãos e pés, do frio e das câimbras. Depois de 25 km assim, começamos a contagem regressiva até Além Paraíba: 13 km, 12 km, 11 km, 10 km... Até que chegou na placa do km 4 e avistamos os primeiros sinais de civilização. Foi instintivo, gritamos todos juntos, igual crianças: “olha, luz, luz!”.

Chegamos a um cruzamento e Bob Filho dispara na frente, afoito por parar logo. Paramos na primeira lanchonete feiosa de beira de estrada que vimos, congelando de frio e semi-mortos. Só pensávamos em jantar. Aquela altura, no limite de municípios Carmo (RJ) – Além Paraíba (MG), eu já estava com 200 km rodados, quer dizer, pedalados.

Pelo celular, parte do grupo que tinha ido de carro e já estava na fazenda em Santa Rita da Floresta, nos avisa que está indo ao nosso encontro. Mais quatro bicicletas juntam-se aos quatro ciclistas moribundos, que de tão cansados nem comiam direito.

Bob Filho e eu nos entreolhamos. Depois de alguns instantes, ele sussurra em tom de desespero o que acabamos de conversar por telepatia: “Só bicicleta... Ninguém veio de carro de apoio!”.

Enquanto o moleque cochila na mesa, dou bocejos de sono e peço um café. Estava seriamente preocupada. Sabia que The Monster e Antônio completariam, mas tinha dúvidas quanto a nós dois. E ficamos mais tensos ainda por nossos companheiros chegarem de bicicleta ao nosso encontro, sem nenhum carro. Eram mais de 22h. Muito cansados, eu e Bob achando que não ia dar para fazer os 25 km finais e a última serra, de 5 km.

Além do apoio moral, o grupo que chegou nos emprestou algo para vestir. Consegui com Márcio uma capa plástica transparente e fiquei igual um air-bag. Pelo menos dava para reter um pouco do calor do corpo, naquela friaca violenta.

Voltar a pedalar foi penoso. Estávamos enrijecidos de tanto frio e esforço. O primeiro trecho inicial, de descida, aumentou o frio e o sofrimento. The Monster foi ao meu lado, tentando me tranqüilizar, sempre falando: “sobe devagar, bem devagar”. E logo a estradinha escura começou a subir, e o corpo foi esquentando.

Esquentando, esquentando, esquentando, até que pegou no tranco e a speed mostrou que não me deixa na mão, nem nas horas mais ingratas. Disparei, peguei o ritmo novamente e como não conseguíamos enxergar o que vinha à frente, fomos subindo sem nos preocupar com altitude.

Passo por Bob, que desceu e estava empurrando um pouco a magrela, já sem forças. Mas pouco depois voltou a pedalar. Passo por Márcio que também empurrava, e me junto a The Monster e Antônio, os dois sempre na frente de todos, sem deixar cair o ritmo.

Perguntei a Manel, como fiz em todas as outras subidas, se a gente ia subir até o céu. Mas aí me lembrei do Ed Motta, e subimos o resto da serrinha cantando para driblar o cansaço: “Manoel, foi pro céu / Manoeeeeeel, foi pro céu”.

Nosso líder Antônio nos avisa que no alto da próxima subida já é a entrada para Santa Rita da Floresta. Então resolvi pegá-los de surpresa: dei um sprint e passei em disparada.

Antônio: “Ué, quem está vindo aqui atrás tão rápido?”
Manel, The Monster: “É Thais”
Antônio: “Não pode ser, não é a Thais”
Manel, The Monster: “É Thais, sim”
Antônio: “Não é a Thais, não".
Manel, The Monster: “É Thais, sim”
Antônio: "Ih, é a Thais, sim! Vamos atrás dela”

Eu, Antônio e The Monster paramos na entrada de Santa Rita comigo gritando “Cheguei primeiro, cheguei primeiro”. Eu e The Monster fomos para o mato, para um pipi stop. Bob Filho chega um pouco depois e ganhamos parabéns por completar nossos primeiros 200 km. Na realidade, 230km. E ficamos esperando o resto do pessoal – que foi nos resgatar em Além Paraíba – chegar.

As fotos na placa de Santa Rita foram apressadas. Eu e Antônio desesperados de frio, entramos na cidadezinha e paramos na primeira birosca que vimos. Não tinha cachaça, e o dono do bar serviu dois conhaques e bolinhas de queijo quentinhas para dois ciclistas mendigos. Compadecido do nosso estado, nem nos deixou pagar nada.

Aí começou a estrada de terra. O povo foi na frente, ansioso por chegar. Fui em slow motion: aquele breu com pedras, lama e areia era um desafio e tanto para uma recém-speedeira.

Na metade do caminho, de uns 4 km, desisti de pedalar. Desmontei e fui caminhando pela estrada de terra, olhando aquele céu estrelado. Manel The Monster fez o mesmo, assim como Bob Pai e Antônio, que cortou o silêncio: “Viemos juntos até aqui, chegaremos juntos”. E seguimos empurrando as bikes até a entrada da fazenda, em Santa Rita da Floresta.



Havia sido um dia de muitas subidas. Mas eu ainda subiria muito mais. Com eles, eu subiria até o céu. Com ou sem Ed Motta.

terça-feira, abril 14

SulAmérica Night Bikers



Tenho andado meio indiscreta. Quando vejo algum ser ciclista por aí, fico encarando assim com aquela minha cara de interrogação. Espero que não me levem a mal - é apenas curiosidade para saber se é mais um de meus iguais, vagando pelas ruas.



Então numa dessas vejo uma figura que me pareceu familiar. Passei do lado e espichei o olhão para ver quem estava embaixo daquele capacete: era ninguém menos que The Monster.



Pela alcunha já dá pra ter uma noção de como sua fama o precede. Estávamos indo para o mesmo evento, o SulAmérica Night Bikers. Não me preocupo com pequenices: não quero saber dos interesses envolvidos, o que servir para divulgar o ciclismo, estou dentro.



E lá fui fazer parte do ‘apoio’ - ciclistas de laranja que ajudariam a organizar o passeio. Saímos do Pontal do Leblon em direção ao Leme, pela rua, com interdição da pista da praia.


O passeio mal deu para suar. Se não deu para pedalar, a farra estava garantida. Morro de saudades de meus amigos ciclísticos, tão birutas quanto eu, se ficar mais de alguns poucos dias sem vê-los.



E aproveitei para estrear meu novo visu, à la menininho-com-piolho. Com direito à catação dos ‘bichinhos’ por dois ciclistas iguaiszinhos...



Cabelos como os da Betty Boop, meu ícone Orkut-ciclístico. E qualquer semelhança será mera coincidência...!

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