quarta-feira, fevereiro 25

PARATY: Aventura sobre duas pernas

Não podia pedalar no Carnaval: meu ‘briochinho’ esquerdo piorou na última cicloviagem para Ilha Grande. Precisava descansar os joelhos, então resolvi usar o lema das formigas: descansar enquanto carrega-se pedra. Fui fazer montanhismo.



Muito estranho, me deslocar por quilômetros sobre duas pernas, não sobre duas rodas. Afinal, o que é uma mulher-de-ciclos sem sua magrela? Mas resolvi tentar, tenho uma necessidade urgente de experimentar coisas novas.



Éramos oito. Roteiro escolhido: Travessia da Juatinga, dentro da Área de Proteção Ambiental do Cairuçu, em Paraty, RJ. O acesso ao ponto de partida é a pé ou de barco. Carro, nem pensar. O carro ficaria na civilização, digo, na cidade de Paraty, Patrimônio da Humanidade.



Umas duas horas de barco pela costa verde até o ponto de partida da Travessia, a Ponta da Juatinga. Saltamos em um pequeno lugarejo com casinhas de pescadores, os ‘caiçaras’.



Ali fizemos uma refeição simplória na casa de um deles: arroz, feijão, peixe e farinha. Era preciso comer quando tivesse oportunidade, pois poderia não ter outra opção de comida o resto do dia. Para emergências, levamos ‘miojo’ e eu, o meu macarrão sem glúten.

Rumamos para o Farol da Juatinga. A trilha era aberta e o sol de 15h castigava. Estava muito quente, mas o caminho era curto. Logo chegamos ao topo, com uma vista 360°.



Depois, praia da Sumaca. Caminhada leve, de mais ou menos 1h30. Um pequenino pedaço de paraíso, uma prainha particular só nossa, onde acampamos. Uma cachoeira no cantinho da praia virou nosso chuveiro. Passamos a noite ali e boa parte do dia seguinte, só de preguiça.



Mais tarde Gabriela (cachaça com cravo e canela) fez a alegria da galera. Alguns acabaram chapando na areia mesmo. Eu fui um deles.



Na tarde do 2° dia, partimos para Martins de Sá, uma praia grande. E começou a acontecer uma coisa engraçada: passei a gostar de subir. Conforme vinham as montanhas, eu gostava cada vez mais. E as descidas me davam calafrios. Os joelhos reclamavam muito a cada passo para baixo.



E descobri que sobre duas pernas sou o oposto de sobre duas rodas. Quem me conhece ciclisticamente sabe do que estou falando. Sabe o quanto detesto subidas e como largo o dedo do freio e desço desembestada. Quanto mais rápido, melhor. Dizem até que vou ser ‘speedeira’ quando crescer.

Pernoitamos no camping do Seu Maneco, figura queridíssima por lá. Antigo caiçara, hoje administra e organiza a área. Camping limpinho, sem bagunça e sujeira, onde não pode tocar música alta nem vender bebidas alcoólicas. Toda a família de Seu Maneco é evangélica e as crianças são afoitas para saber seu nome e puxar conversa.



O camping estava cheio mas não lotado. À noite, fogueira com direito a rodinha de violão e bolo de cenoura com chocolate, cheião de glúten.



O 3° dia começou bem cedo: seria o mais puxado de todos. Como nos dois primeiros andamos pouco, parte do trajeto ficou acumulada. De Martins de Sá, passaríamos pela Praia do Cairuçu, pequenina faixa de areia habitada por caiçaras, indo até a Ponta Negra, praia mais ‘turística’, digamos assim.

No início do caminho, pausa para banho no poção. Uma piscina natural gostosíssima e bem gelada, de uma cachu que corria lá do alto. Depois, cruzar o rio para seguir caminho.



Até por que o trecho entre a Praia do Cairuçu e Ponta Negra é o mais difícil. No Cairuçu, o melhor duchão de toda a travessia. Os pescadores improvisaram uma com bambu e a água da cachu caía forte, tal qual uma Paineiras à beira-mar.



Depois, a subida-que-nunca-acaba. Mas a essa altura eu já havia descoberto que gostava de montanhas. Antes do subidão, tomei ‘drogas pesadas’ de speedeiro, liguei o turbo e fui-me embora. Mas como tudo que sobe desce, depois a descida interminável me esperava.



A recompensa foi boa. Na Ponta Negra a praia homônima, Praia Negra. Dois barzinhos-pé-na-areia, turistas na medida certa (nem vazio demais, nem farofada), uma vila de pescadores que parecia saída de maquete.

Ficamos por ali e no 4° dia fomos explorar a região. Descobrimos lugares incríveis, que é melhor nem falar. Impossível descrever, por isso nem vou tentar.



Na noite do 4° dia, conseguimos uma casinha para pernoitar. Parecia de boneca, quero voltar lá um finde desses só pra ficar de bobeira e pernas para o ar.



E no 5° dia, hora de ir embora. Pegar trilha para chegar a Laranjeiras, onde um busão nos levaria de volta a Paraty. Mas no caminho passaríamos pelas Galhetas, uma praia em formação toda de pedras com cachoeira, onde caiu o helicóptero do Ulisses Guimarães. Dizem que ele ainda anda por lá, virou ermitão e usa barba até o joelho.



Depois, Praia dos Antigos e Antiguinhos, Praia do Sono e Praia Vermelha de Laranjeiras, destino final. Essa última não veríamos, o acesso é fechado e a área é toda tomada por um condomínio de bacanas. Mas nos contentamos com as outras, que não deixam nada a dever.



Nos último dia o joelho estava melhor do que no primeiro. Acho que se acostumou com o esforço. Mas eu estava um bagaço. Acometida por um piriri que minou todas as minhas forças, talvez por nunca beber água de cachoeira, talvez por ter comido glúten. O fato é que as outras meninas também estavam assim, e eu mal parava em pé, pernas que pareciam de borracha.

Mas o importante é ir até o final, conhecer lugares de tirar o fôlego e sentir o corpo chegar à exaustão. Ultimamente quando não me canso o suficiente, fico irritada e frustrada. Mania de ciclista megalomaníaca por quilometragem? Pode ser. Sei é que teria mais dois dias em casa de bobeira para me reestabelecer. Por que no finde tudo volta ao normal: dias de pedal.

sábado, fevereiro 14

ILHA GRANDE: cicloviagem



Assim como navegar, pedalar é preciso. Por isso fui fazer as duas coisas neste finde. Já que não é possível pedalar até a Ilha Grande, a idéia era ir 'by pedal' até Mangaratiba e de lá pegar uma traineira.

Como éramos só dois, faríamos poucas paradas: apenas duas, de 15 minutos, para pipi-stop e comprar água. Queríamos chegar lá cedo: eram apenas 110 km, e calculei chegar em Mangaratiba por volta de meio-dia. Saímos de Ipanema às 5h45. Fui leve: novamente, eu e minha pochete apenas.



Niemeyer vazia e mais seca que o usual: o esgotão deu uma trégua. Em São Conrado, decidimos não ir pelo Joá, já que era cedo e o trânsito estava bem tranquilo. Fomos pelo túnel e ganhamos um bocado de tempo, já que sou lenta pra subir.

Na Barra, Av. das Américas até o Recreio. A essa altura a chuva começou a castigar mais forte, tanto que o pelotão de speedeiros que roda por ali aos sábados cedinho nem deu as caras. Um ou outro passava por nós batido.

Quem me conhece ciclisticamente sabe o quanto gosto de pedalar na chuva. Mas hoje ela não era bem vinda. Se chovesse, meu companheiro de pedal ficaria sem freios.

A primeira parada foi na Lokal, a padaria de sempre ali do Recreio. Dez minutos, tempo para ir ao banheiro, comer algo e beber um Guaraviton. Seguimos pela pista da praia até a Estrada do Pontal, rumo à Guaratiba. Logo depois de subir e descer a Grota Funda, problemas à vista.

Pontadas no joelho esquerdo, seguidas por uma dor forte. Já conhecia essa dor. Senti-a uma única vez, no dia em que machuquei o mesmo joelho, há três meses. Fiquei com medo de não conseguir chegar lá. Mas como já sei que o problema não vai se agravar terminando o pedal e que a questão era meramente saber lidar com a dor, tomei o analgésico que levo no meu kit de sobrevivência da Margot e fomos adiante.

Isso me custou mais duas pequenas paradas para alongar a perna esquerda. Na altura de Santa Cruz calculei que eu precisava comer, pois não estava com fome. Fizemos então a segunda parada em um posto, para comer algo rápido.



Encaramos a confusão das vans no centro de Santa Cruz e logo depois já estávamos na Av. Brasil e então Rio-Santos. A estrada é bem gostosa, com um acostamento bom pra pedalar. Passou rápido, muito rápido. Com aquele visual todo da Costa Verde, impossível se cansar.



Um subidão, pouco íngreme, e o túnel antes de Mangaratiba. Na entrada do túnel, conheci um arame que queria ser corrente. Era um pedaço de arame 1,5 metro grosso que sonhava em virar corrente de bicicleta, e por isso se enroscou completamente na minha relação.



Sempre dizem que minha bike é pesada por que carrego coisas demais. Mas ultimamente todos os cacarecos que levo tem sido úteis. Assim com minha pinça, tesourinha e hoje com o alicate, que nos ajudou a desenroscar (o arame era grosso demais para cortar) as muitas voltas que ele deu no câmbio.

Na saída para Mangaratiba, agradeci. O joelho já doía muito e me obrigou a ir bem devagarzinho. Ainda tinha uns 5 km por dentro da cidade, com muitas subidinhas enjoadas, até o cais onde pegaríamos o barco pra ilha.

Chegamos dentro do previsto: era 12h30 e o barco só sairia às 14h. Mas a espera valeu a pena. O barco foi premiado e no caminho tivemos a companhia de três serelepes golfinhos, que 'surfavam' nas ondas da traineira e davam piruetas alegremente.

Ganhamos também uma amiga: Carol Amém, mochileira-publicitária-atendente de bar que já estava há um mês na vila de Palmas, em Ilha Grande.



E descobri um lugar perfeito para uma 'mulher de ciclos' como eu morar: dentro de uma roda!



Por conta do joelho bichado, cancelamos os planos de fazer a trilha até Dois Rios, praia onde fica o Presídio da Ilha Grande. Tive que me contentar em comer moqueca, beber vinho, ficar de pernas pro ar e tomar banho de mar na praia que tem areia preta. Chato, muito chato.









A volta seria no domingo, de busão. Primeiro, pegar a barca das 17h30 até Mangaratiba, e de lá ônibus para a Rodoviária Novo Rio. Na barca, conhecemos Hugo, ciclista francês que estava há um ano dando a volta na América do Sul de bike. E tivemos a honra de acompanhá-lo no encerramento de sua viagem, levando-o da rodoviária até seu destino final, Botafogo.



Ele perguntou por Copa, mas expliquei a ele que Botafogo era antes. Copa ficaria para outro dia. Daqui a uma semana ele vai conhecer o carnaval de Salvador, e depois estará de volta no Rio. Combinamos de fazer pedais por aí.

Rumo a casa, onde cheguei, tomei banho e fui dormir. Bikes imundas, alma lavada e a certeza de que as melhores viagens são aquelas em que você não leva quase nada, mas volta com tanta coisa na bagagem...

quarta-feira, fevereiro 11

COMO VIREI CICLISTA: parte II

A evolução foi rápida. Depois de mais dois passeios leves, fui incentivada a tentar um de sábado, que era mais pesado. Era setembro, apenas uns quinze dias após o meu primeiro rolé com o grupo.



Itacoatiara. Pela primeira vez na vida, eu pegaria uma subida. Já no início, desesperei. O grupo disparou à minha frente, e eu fui ficando pra trás naquela ladeira interminável. Dois voltaram para me ‘escoltar’ e me dar apoio. A essa altura eu já quase chorava!



No finalzinho, fui empurrando. Mas cheguei lá. Ainda estava fisicamente abalada. Pouquíssimo tempo se passara desde que um papel mudara minha vida de forma taxativa. Descobri que sou celíaca.



Nada do que eu comia, poderia continuar a comer. Alimentos com trigo, aveia, cevada, centeio e lactose estavam terminantemente proibidos, ou seja, a maior parte do que existe por aí...

E eu sofria os efeitos de uma vida com glúten. Li que só depois de um ano sem ingerir o corpo se ‘desintoxica’ de verdade.

Nesse dia eu ainda sentia dores. Mas nãome importava, queria era seguir o grupo. Durante o dia, todos se esbaldaram. Sanduíche natural, pastel do tamanho de uma folha A4. Eu fiquei no picolé de uva e com as bolachas de arroz que levei comigo.



Ali percebi que teria uma dificuldade a mais para me tornar ciclista: sempre deveria levar comigo minha comida. E julguei bem. As poucas vezes que não o fiz, me arrependi. Como há dois dias atrás, em uma subida corriqueira pelas Paineiras.

Superestimei-me e o ‘prego de fome’ veio, me obrigando a comer alimentos proibidos e que vão trazer efeitos colaterais por pelo menos mais esta semana...

Aquele fim-de-semana também foi o começo do fim. Fim do meu casamento. Senti que seja lá o que for que o ciclismo despertou em mim, era irremediável. E percebi que dali para frente nada me faria abrir mão disso. Dessa vez seria diferente.

terça-feira, fevereiro 10

COMO VIREI CICLISTA: parte I

Este não é um brogue de memórias. Muito menos um guia turístico. Talvez possa chamá-lo de ‘diário de bordo’ das minhas cicloviagens e roteiros ciclísticos pelo Rio de Janeiro, lugar onde nasci, cresci e pelo qual sou perdidamente apaixonada.

Em dezembro de 2007 comprei minha primeira bicicleta da fase adulta. Nunca tive muita afinidade com elas, fui uma criança desajeitada e que não gostava de esportes. Sempre arranjava uma desculpa para fugir das aulas de Educação Física, e os times de queimado disputavam para não ter que ficar com a Thais.

Mas essa magrela que me iniciou era uma Caloi Aluminum simplezinha de doer. Ficou encostada lá por um mês, até que meu ex-marido começasse a falar: “eu disse que você ia gastar dinheiro à toa”, “eu disse que essa bicicleta ia ficar aí sem uso”.



Agradeço a ele profundamente por ter me dito aquelas palavras. Afinal, tem incentivo maior do que alguém nos dizer que não somos capazes de fazer alguma coisa?

O dia 15 de janeiro de 2008 foi o primeiro dia da minha nova vida. Saí para pedalar e fiz um pacto comigo mesma de que aquilo seria um hábito quase diário. O sedentarismo estava me trazendo problemas. Além de estar com o peso um pouco acima do ideal, dores na lombar e no ciático me atormentavam.

Os primeiros dias foram cruéis. Para um ser acostumado à estagnação física como eu, pedalar 5 km era uma aventura! Os músculos da perna queimavam e eu parava a cada quilômetro ‘vencido’. Dar uma volta completa no Aterro do Flamengo parecia quase impossível, e o dia que consegui, voltei para casa radiante.



Assim fiquei por alguns meses, até finalzinho de agosto. Pedalando sozinha pelas ciclovias da Zona Sul do Rio de Janeiro. Às vezes me aventurava no trânsito, para pegar prática e me habituar a pedalar junto dos carros, coisa que me apavorava quando adolescente.

A essa altura eu estava desesperada por fazer amizades ciclísticas. Queria tirar dúvidas, trocar idéias, mas eu não conhecia mais ninguém que pedalasse. Algumas vezes cheguei a emparelhar ao lado de outros coleguinhas ciclistas, puxar conversa, afoita por fazer amizades. Mas eles não me deram muita bola não.



Do mundo real passei ao mundo virtual. Comecei a buscar na rede grupos de discussão de ciclismo e a pesquisar sobre o assunto. Descobri no Orkut uma comunidade que reunia ciclistas, clientes e funcionários da Kraft Bikes, no Rio.

Tomei uma decisão que mudaria minha vida: criei um novo tópico na comunidade, com a pergunta que já há algum tempo me martelava na cabeça: “Como entrar para a tribo do pedal?”.



Eu queria me sentir igual àquelas pessoas que falavam em ‘fazer um pedal’, que se auto-intitulavam ‘ciclistas’, percorriam distâncias que para mim na época pareciam absurdas, e falavam coisas como ‘não deixar cair o giro’.

Queria ser igual a eles! E a ‘acolhida’ (impossível chamar de outra forma), não poderia ter sido mais calorosa. Fui de fato ‘adotada’ por muitos ali.

Não posso esquecer um texto enorme, escrito por um deles, sobre a ‘Tribo do Pedal’, respondendo à minha pergunta, e que um dia reproduzo aqui, se o autor me permitir. Mas sempre um imprevisto me impedia de ir ao primeiro passeio com o grupo.

Outra coisa que me desanimava eram os horários. Como acordar às 6h de um sábado para pedalar? Achava tão absurdo aquilo, eu outrora boêmia, que dormia nos finais de semana até às 13h.



Mas havia também alguns noturnos nas quintas-feiras. O frio na barriga me segurava. Afinal, conseguiria eu acompanhar o ritmo do grupo? Não sabia. Mas uma noite, voltando do trabalho, jamais me esquecerei. Vejo aquele monte de luzinhas piscando, vindo em minha direção. O coração pulou e quase saiu da boca. Pensei: “São eles, são eles”.

Quando o grupo passou por mim, pedi: “Posso ir com vocês?”. Não me ouviram. E triste, cabisbaixa, segui meu caminho. Mas para minha surpresa, mais atrás vinha mais um grupinho de ciclistas, piscando, acesos, e dessa vez, consegui fazer a volta a tempo, emparelhar e gritar novamente, mais alto ainda: “Posso ir com vocês, posso?”.

“Claro, junte-se a nós”, uma voz me respondeu, e eu feliz da vida, segui com eles. Tímida, fiquei ali por último. Depois, parados em um sinal de trânsito, a voz se aproximou: “Você é a Thais, não é? Reconheci você pela tala no seu braço”.

Eu estava com o braço direito imobilizado, e havia ficado uma semana em casa, após ser atropelada voltando do trabalho de bicicleta, por um motorista que furou o sinal vermelho. Voltava às minhas atividades naquele dia, e em uma crise de abstinência de pedal, resolvi ir de magrela assim mesmo, braço ainda na tala.

Passei pelo ‘ritual de iniciação’, que eles chamam de batizado, que todos os ciclistas da comunidade passam. E conheci alguns que hoje são grandes amigos. Já neste primeiro dia, me davam toques ou dicas de como treinar para melhorar, de fazer subidas, e outras coisas mais.

Fiquei fascinada. Era tudo o que eu queria. Ampliar os horizontes ciclísticos, digamos assim.



CONTINUA DEPOIS...

sábado, fevereiro 7

MARICÁ ESCALDANTE: teste de resistência física



A previsão do tempo informava temperaturas de até 34ºC, mas garanto que a sensação térmica, no asfalto fervendo e embaixo daquele sol implacável, era maior, muito maior.



Cheguei nas barcas às 7h45, onde o grupo já me esperava. Eu já estava com 35 quilômetros rodados, havia saído às 5h para uma cicloviagem que não rolou. O plano B foi voltar e encontrar o grupo que faria Maricá via asfalto.

O percurso era entremeados de subidas e descidas, o que muitas vezes nos permitia manter uma velocidade de 30 km/h sem esforço...



Mas o sol, ah, o sol. Havia um pra cada ciclista, disso tenho certeza. Um sol só não daria conta daquela quentura toda não.

Um pouco antes de chegar a Maricá, meu pneu furou... acende o farol, acende o farol. Por sorte Gaúcho estava perto e me ajudou a trocar, afinal, são aqueles malditos Kendas. Mas com as espátulas de metal, tudo ficou bem mais fácil. Rimos muito quando fiquei com cara de borracheira, com as bochechas todas pretas. Mas quem não viu, perdeu.

Mais 1 km a frente, pneu furou. De novo, o mesmo. A operação arranca-Kenda foi mais fácil mas ficamos vasculhando todo o penu (de noooovo) até achar um big espinho de Paineiras lá escondidinho.

Lá se foram as duas câmaras que eu havia comprado pra viajar. Ainda bem. E logo depois da entrada de Maricá o grupo nos esperava.

Foi bate e volta. Cinco minutos de descanso e eu já queria voltar. Estava inquieta, queria só pedalar, não queria ver nada, comer nem bater papo.



Esse foi meu erro. Por que logo depois que partimos, começou o 'prego de fome'. Fui me sentindo fraca, cada vez mais fraca, e ficando para trás. Gaúcho, fiel companheiro de pedal, foi me acompanhando, e quando sugeriu pararmos em um posto para calibrar o meu pneu, que tínhamos enchido com minha bombete, logo fui procurar uma sombra.

Como tava sentindo que o 'teto preto' tava chegando, corri para pegar a garrafa de água, duas geléias cheias de açúcar que eu levei para emergências como essas, me esparramei no chão e comecei a comer.

E parei para fazer as contas. Tomei café às 4h30. Comecei a pedalar às 5h. Já eram 14h e eu não tinha comido mais nada. Em parte por que eu já estava mesmo sem apetite a semana toda, reflexo de eu ter saído da dieta e comido coisinhas 'proibidas'.

Em parte por eu também estar nervosa e e imensamente triste com coisas que aconteceram comigo antes de pedal, e quando fico assim, não consigo pôr nada pra dentro do estômago.

Deu um tempo e voltamos a pedalar. Senti que já circulava sangue pelo meu corpo de novo, mas não tinha sido o suficiente. Logo à frente, uma parte do grupo estava parado em um posto. E paramos também.

Agora éramos seis e alguém (já me falha a memória, nem consigo me lembrar quem, estava meio abobada mesmo) deu a brilhante idéia de tomarmos banho de mangueira. Só tirei o capacete e como estava me encharquei inteira. Nessa hora é que comecei a melhorar.



Mais à frente o restante do grupo nos esperava em uma sinuca! Sim, uma sinuca. E seguimos viagem. Muitos pneus furados, muito calor, muita fome, muito tudo. Mas muito pedal também. Já que a viagem melou, deu pra matar um pouquinho a fissura de estrada.

Na volta para casa, parada estratégica no Cervantes para comer. Nem comi tanto, estava com fome, mas continuava sem apetite. Depois, banho e cama, que amanhã é domingo, e tem mais pedal.



Saldo final: 133 km de pedal sob um sol de Mercúrio, a vaquinha Mimosa (a mais nova aquisição para aumentar a família) e a certeza de que na hora do pedal, tudo o mais tem que ficar pra trás. Para trás mesmo.

terça-feira, fevereiro 3

GLOSSÁRIO DA 'MULHER DE CICLOS'

Você está acompanhando - acompanhando não, que ele não é novela - está acessando meu brogue, mas volta e meia se depara com expressões absurdas e personagens quase folclóricos, e não entende bulhufas do que está escrito?

Calma, não desista. Resolvi facilitar sua vida, querido leitor, e criar um glossário de expressões da mulher de ciclos. Mas para não tornar tudo fácil demais, é óbvio que ele não está em ordem alfabética... nem em ordem nenhuma.

Alfredinho: meu patinho de borracha amarelinho, que levo pra passear nas cicloviagens e que encaixa no guidão da Margot. Tem medo de correnteza e por isso não foi a Sana (lá até fazem rafting, imagina se ele iria!), prefere águas mais paradas como as da minha banheira.



Margot: minha primeira bike ‘de verdade’. Uma elite 2.4 quadro 16, cinza e preta. Facilmente reconhecível pelo adesivo da Betty e por ser a magrela com o maior número de bolsinhas que eu conheço. Na maior parte do tempo, está com slicks, mas às vezes se rende ao biscoitão.



Betty: Betty-Boop, ícone orkut-ciclístico da mulher de ciclos, ilustração gentilmente cedida por O Letrado.



O Letrado: amigo de pedal e da vida, carinhosamente assim chamado pela forma rebuscada que escreve, e por sempre ter resposta para tudo. Quando não tem, trata logo de arrumar. E ai de mim quando teimo com ele. É o responsável pela alcunha de Mestre Gafanhoto.



Mestre Gafanhoto: mais um querido amigo, de pedal e da vida, carinhosamente apelidado de ‘mestre’ por ser uma referência em assuntos cicloturísticos, em assuntos do coração, em assuntos enogastronômicos, em assuntos da vida... de ‘gafanhoto’ porque ai, já nem sei mais. Está sempre preocupado com Briochinhos.



Briochinhos: meus joelhos fofinhos, que sofrem com as Patas de Ganso, e que a fisioterapeuta olhou e disse: “estão inchados”, e eu repliquei: “estão não, eles é que são gordinhos mesmo”.



Patas de Ganso: tendinite bilateral dos dois joelhos, mais conhecida por tendinite do tipo ‘pata de ganso’, como explicou doutor. Norberto ficou cheio de ciúmes por minha tendinite ser chamada de Patas de Ganso e não ‘patas de pato’.



Norberto: patinho-irmão do Alfredinho, ganhei de presente na viagem a Sana (já que Alfredinho não foi, alguém tinha que fazer companhia a Lennon). Mas Norberto, além de ser mais novinho, é bem mais frágil, não é de borracha.

Lennon: primo do Alfredinho, sapo verde que viaja sempre no guidão da Contessa.

Contessa: bike da Rosquinha de Padaria.

Rosquinha de Padaria: ciclo-amiga-meio-baiana-meio-mineira que costuma me monitorar quando sou abduzida por aí. Fica doida nas viagens esperando a hora da Conchinha.



Conchinha: formação noturna meio promíscua que ciclistas adotam antes de dormir, principalmente após pedais longos das cicloviagens. Mas claro, apenas em locais com certa privacidade: hotéis com mega-suítes e camas espaçosas para caber muitos de uma vez, e jaccuzzis borbulhantes. A Conchinha é a prima mais assanhada do Minhocão.



Minhocão: outro tipo de formação, aquela em que os ciclistas (mais comumente os speedeiros) ficam um coladinho no outro, um atrás do outro, encaixadinhos, para pegar o vácuo. Se um frear, todos caem. Bip-bip adora fazer um minhocão.



Bip-bip: ciclo-amigo que quando conheci andava com um aparato eletrônico qualquer para monitorar sua situação cardíaca. Doutor liberou-o para voltar aos poucos a pedalar. É o meu gerador de boas idéias: Pedal da Madruga e o brogue brotaram a partir de sugestões dele.



Pedal da Madruga: entidade quase sobrenatural que faz ciclistas acordarem no meio da madrugada e penetrarem a escuridão da Floresta às 5h da manhã, iluminando o caminho apenas com a luz dos faróis das bikes, para ver o sol nascer lá do alto da Vista Chinesa ou das Paineiras. Com direito a parada, é claro, para café no Postinho, mas sem pão de queijo (que a essa hora nem foi pro forno).



Postinho: posto de gasolina do Alto da Boa Vista, parada quase obrigatória nos pedais pela Floresta da Tijuca para reabastecer e para pipi-stop. Na lanchonete, Daiana sempre guarda pães de queijo para mim, para ciúme, fúria e protestos de outros ciclistas famintos.



Daiana: a atendente de lanchonete de posto de gasolina mais fofa que existe. Adoro implicar dizendo que ela acha um dos SGAs mais bonito do que o outro, para rubor de suas maçãzinhas do rosto.



SGAs: são os Super-Gêmeos-Ativar, Mr. John Paul Jones e o Imperador. Um é o gêmeo feio e outro o gêmeo bonito, Martinica que me falou, só não vou dizer qual é qual.





Martinica: Primata assanhada que O Letrado arrumou por aí. Tem dia que ela está com a macaca, só vendo pra crer. Não pode ver um mico passar que fica toda fogosa. Ainda tem que ser apresentada ao restante dos Intrépidos.



Intrépidos: Misto de ciclistas aventureiros e boêmios, comedores de polvo à provençal, tomadores de vinho e ouvidores de jazz. Reúnem-se periodicamente para... para o quê mesmo? Vou perguntar à Hipotemusa.

Hipotemusa: ninfa ciclística adoradora dos números. Anda meio em crise com sua Caloi 100, depois que se afeiçoou a sua Montese, uma Elite 2.4 igualzinha a Margot. Para não passar por uma crise destas, eu providenciei outra para preencher meu coraçãozinho, que agora já nem bate mais, só capota por Briggitte.



Briggitte: a família cresceu com a chegada dela, uma Blitz City, cor azul petróleo, aro 20 dobrável, com bagageiro no qual cabe certinho meu alforge Deuter e o adesivão da Betty estradeira. Linda de morrer, ideal para meus pequenos deslocamentos urbanos do dia-a-dia. Margot anda com ciúmes. E não é para menos. Já até levei Briggitte ao teatro.

QUEM É A MULHER DE CICLOS?

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