segunda-feira, janeiro 26

Discutindo a Relação Ciclística (DRC)



Minha magrela queria conversar. Fazer uma DRC, só nós duas. Estávamos precisando sair sozinhas, ela tinha muitas coisas pra me dizer, precisava de um tempo só comigo.



Levei-a para as Paineiras logo cedinho, a única subida que ela gosta de fazer. Chovia fino em Copa ao mesmo tempo que o sol, laranjão, esforçava-se pra nascer por trás de uma nuvem gorducha.

Achamos que encontraríamos muitos coleguinhas ciclistas no caminho, mas nada. Um único ciclista também solitário passou por nós duas logo no início da rua Alice, e depois, mais ninguém. Esse tinha um suporte estranho para caramanholas, ficava no guidão, com uma de cada lado. Bizarro.

Paineiras surpreendentemente deserta de ciclistas. A pista era só nossa. Poucos carros também. Tanto que, quando a bexiga apertou, não tive problema nenhum em ir ali no matinho mesmo, sem cerimônia. Já descendo a Vista cruzei com mais uns dois. E só. Parece que nas segundas chuvosas o povo fica na toca mesmo.

Chegando no Alto, Daiana me recebe com uma cesta de pães de queijo fumegantes. Quase queimo a boca. Lá estava também Zé, que não reconheci de imediato, afinal ele estava à paisana, igual gente normal, indo para o trabalho.



E lá Margot desembestou a tagarelar, parecia a dona. Falou como ela andava maltratada, rangendo, com marchas pulando. Me disse que estava sempre suja, câmbio cheia de resíduo, com barro ainda da Volta das Serras, em novembro.



E que se continuasse assim, ela não teria disposição para me acompanhar por muito mais tempo, como eram nossos planos. Temos uma relação estável e duradoura, não até que a morte nos separe, pois o casamento nos moldes tradicionais é uma instituição falida, mas ‘infinito enquanto dure’ sim.

Apesar de que tenho pensado muito em rever esse relacionamento monogâmico. Expandir para um triângulo-ciclístico-amoroso. Ando flertando por aí com outras, mas Margot não sabe. Nem desconfia. Tenho que pensar como vou contar pra ela. Sou muito sincera, sabe? Gosto de deixas as coisas muito claras, já desde o início.



Concordei com tudo o que ouvi. Temos que admitir nossos erros. Assumo que andei descuidada com ela sim e comecei a reparação desde já. “Quando a gente gosta é claro que a gente cuida”, canta a Sandra de Sá.

Levei-a para um canto no Postinho, deixei-a no osso e comecei o banho. O povo de lá simpaticíssimo, até me fizeram companhia e ficaram jogando conversa fora comigo. Daiana estava preocupada com o meu esmalte, e me trouxe luvinhas! Mas não adiantou muito. Ao final do dia, não tinha uma unha que prestasse.

Prometi a Margot que no máximo semana que vem levo ela para fazer uma revisão. E limpar as relações, cheia de graxa velha, uma nojeira só. Hoje não daria tempo de uma limpeza mais completa.

O trabalho me esperava. Saindo do Alto, me lembro subitamente que hoje era dia de chegar mais cedo: almoço com o novo chefe. Fiquei aflita. Pedi a Margot que fosse o mais rápido possível pro Leblon, que caprichasse nas subidas. Algumas marchas mais leves não estão entrando.



E das descidas cuido eu. A Vista estava bem escorregadia. O almoço era às 11h e chego no Leblon às 10h52, encharcada, fedida e descabelada, com trajes pouco apropriados, digamos assim.

Um banho ‘expresso’ e às 11h04 já estou na sala, disfarçando o nervosismo e fingindo que está tudo bem: “Sim, vamos almoçar!”. Eu não achava por nada desse mundo meu molho de chaves, com as de casa, do escritório e da tranca da magrela. Além do meu chaveiro de bicicletinha vermelho...



Só sairia do trabalho às 20h e ia ter que correr atrás de um chaveiro 24h para conseguir entrar em casa. Além da bike presa na garagem do prédio onde fica o escritório. Como iria fazer para abrir a tranca?

Às 19h58 encontro as chaves, quando já estava saindo de lá. Findo o suplício, até lembrei que hoje fazia 4 meses, 2.600 km, muito suor, barro e lágrimas, que eu e Margot estamos juntas. Nesses 4 meses que parecem 4 anos é que virei mesmo ciclista. Foi façanha dela, da Margot.



E nesses 4 meses colecionei paisagens fantásticas, pessoas maravilhosas e sentimentos indescritíveis, tão grandes, mas tão grandes, que mal cabem no peito. E me sinto como se já fosse ciclista desde sempre, desde criancinha.

Para falar a verdade, acho que a ciclista dentro da Thais sempre existiu. Ou melhor, agora é que estou descobrindo quem é a Thais, dentro da ciclista. A Thais-ciclista que sabe cantar, rir e chorar sem parar de pedalar, sem desmontar e sem deixar cair o giro. Por que essa nova Thais não é uma mulher ‘normal’, comum.



É uma mulher que sempre tem uma manchinha de graxa na perna. É uma mulher que não anda mais com unhas pintadas. É uma mulher que não se importa mais com os respingos de lama, esgoto ou whatever. É uma mulher que tem um bronzeado estranho pelo corpo, com marcas de luva e capacete. È uma mulher que aprendeu a valorizar o que é essencial, distinguir o supérfluo e viajar apenas com uma pochete. É uma mulher que tem horário diferente das outras pessoas. É uma mulher que pensa em quilômetros. Essa sim, é a mulher de ciclos.

4 comentários:

  1. Thais, muito bom o seu blog...entrei de bobeira e não consegui parar de ler...estou encantada com sua vida de ciclista... alguns dos seus sentimentos compartilho com a dança, pela qual sou fascinada. Mas lendo os relatos de uma mulher ciclista, dá muuita vontade de comprar uma "magrela" e sair pelo mundo dando pedaladas! Parabéns pela atitude! Beijos, Lu

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  2. Se eu disse que me apaixonei pela Margot, você acredita?! Deu uma vontadezinha danada de encontrar uma companheira assim. É, tá na hora de me divorciar do ócio!

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  3. foi bom neste domingo discutirmos a relacao ciclistica!

    por falar em relacao, eu gosto mesmo eh de 53x11... um dia voce vai saber o que significa isso!

    beijo

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  4. Olá Thais,
    por causa da sua participação na lista do Cicloturismo, sempre entro no seu blog. Muito bacana!
    Ah, segue pelo seu e-mail um convite para uma pedalada agora, no dia internacional da mulher.
    Bjs,
    Érica-MG/RJ

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